sábado, 26 de julho de 2014

Heráclito e o rio: tudo flui

Heráclito no quadro de Rafael:
O homem não entra duas vezes no mesmo rio


Naquele dia o rio tinha um encanto. Um sorriso. Uma reticência qualquer. Um cheiro, uma poesia. Você vinha de algum lugar, Heráclito. Vinha com um amigo. De onde vinha? O que esperava daquele dia? O que o esperava?







E você se banhou. E seu corpo misturou-se ao rio. Seus milhões de partículas, diria seu colega Demócrito , confundiram-se. Vocês dançaram. Fizeram Um. Você deu cambalhota, secou-se ao sol, contou e ouviu histórias. Houve, quem há de negar, Heráclito, momentos de encontro e beleza.


Mas não foi você que disse, meu caro, polemizando com Parmênides, que tudo flui? Que tudo é impermanente? Os filósofos ainda repetem isso por sua causa. Panta rei!



Você mudou, outros quereres o agitaram. A impermanência estava em você. Sempre querendo ir além das margens, seguir, descobrir. Corajoso, insano Heráclito! Impôs-se uma viagem longa. E o rio também mudou. Tinha que mudar. Tinha que fluir. Você já não viu suas águas transparentes. Já não conseguiu ver o fundo de pedras brilhantes. Ele turvou-se para você. Naquela curva se deram a mão pela última vez. E partiram.


Foi você quem ensinou. Você não é mais o mesmo. O rio não é mais o mesmo. Aquele Heráclito, aquele rio, aquele encontro perderam-se no fluir eterno do mundo.



Hoje você é outro homem. Por causa de você, por causa do rio, por causa do encontro, do desencontro.



É assim que você se põe à margem de um novo rio. Você, um novo homem. Teme uma última vez. Seu rosto faz menção de voltar-se em direção às águas passadas. Mas foi você quem anunciou: panta rei.


Feche os olhos, Heráclito, mergulhe, perca-se mais uma vez.


Jean Nestares, Panta Rei Series



















































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