quarta-feira, 29 de maio de 2013

Você é um sábio chinês ou uma borboleta?


Não levamos os sonhos muito a sério, mas eles são uma coisa espantosa. Freud veio resgatar essa importância que os sonhos tinham desde a Antiguidade, mas em tempos de psicologia organicista eles são em geral considerados "restos", sem qualquer significado especial. Mas os sonhos são tão "reais" e acontecem de modo tão semelhante às percepções que temos na vigília, que os filósofos de há muito se questionaram: será que essa realidade que acredito viver não é um sonho? Que diferença existe, em termos de percepção, entre escrever essas linhas agora, acordado (assim suponho!), e sonhar que o estou fazendo? Por isso a dúvida,  mencionada por Platão, Aristóteles e principalmente por Descartes, que rompendo com o pensamento medieval e católico resolveu colocar tudo em questão.

Freud escreveu "A interpretação dos sonhos"
em  1899, formulando a hipótese do inconsciente
Chama-se de ceticismo a corrente filosófica que nega a possibilidade de conhecermos "de verdade" o mundo. Essa corrente surgiu na Grécia antiga com Pirro de Élis (por isso também chamada de pirronismo) e com o médico Sexto Empírico. O ceticismo levaria à suspensão do juízo e seria uma maneira de atingir a  tranquilidade, abalada na busca do filósofo pela verdade. O ceticismo tem adeptos mais modernos, como Montaigne, Hume e em algum grau o próprio Kant.





Uma versão antiga do problema é o sonho do sábio chinês Zhuangzi (ou Chuang-Tzu). Ele sonhou que era uma borboleta a voar alegremente. Quando acordou, ficou em dúvida e não mais a dissipou. Será que agora não seria a borboleta que estava sonhando que era Zhuangzi? Um argumento mais moderno seria o do "cérebro na cuba" (brain in a vat). Como podemos afirmar que nossas experiências estão de fato acontecendo e não nos são proporcionadas por algum tipo de experimento científico, como aquele em que nosso cérebro permaneceria numa cuba e o cientista o estimularia com as impressões que consideramos reais, algo como se passa no filme Matrix?


Penso, talvez numa perspectiva pragmática, que não temos como descartar em absoluto a dúvida de Zhuangzi ou o argumento do cérebro na cuba. Mas quem me sonha ou o cientista que me ilude têm sido extremamente persistentes. Não me dão trégua. Já há alguns anos, por exemplo, eles sonham que sinto dores nas pernas e que acordo procurando fios de cabelo no travesseiro. Entre outras coisas melhores e piores que isso. Nosso mundo pode até ser um sonho, mas é um sonho que mantém certa constância e que não nos impede de formular algumas leis e verdades. Tenho quase certeza, pois, de que não sou um sábio chinês e nem uma borboleta. Quanto a você, não estou bem certo... Escute essa música e decida-se se puder:


sábado, 25 de maio de 2013

Napoleão Bonaparte e a PEC 37





Mais que o seu domínio sobre a Europa, por meio do qual exportou a Revolução Francesa, Napoleão considerava que sua maior obra era o Código Civil, o chamado Code Napoléon.  Mas é no seu Code d'instruction criminelle de 1808 que vamos encontrar um interessante aspecto para a polêmica questão da PEC 37.

Esse código de processo penal estabelecia as regras do sistema do "juiz de instrução", ainda existente na França. Um Ministério Público que acusa, o Juiz de Instrução que instrui, investiga, mas não julga o caso em definitivo e outra instância judicial que vai efetivamente julgar a demanda (na França pode ser o tribunal de police, o tribunal correctionnel ou a cour d'assises, correspondente ao nosso tribunal do júri). Nesse sistema, fala-se do princípio da  separação das funções de acusação, instrução e julgamento.

Como se sabe, não adotamos o sistema do juizado de instrução que, aliás, vem perdendo espaço também na Europa. No entanto, na discussão sobre as funções da polícia e do Ministério Público no Brasil, faz-se às vezes uma importação errônea do princípio acima citado, substituindo-se na equação o juiz de instrução pela polícia judiciária e a instrução pela investigação policial. A analogia a nosso ver não procede, porque a instrução a cargo do juiz, naquele sistema, é bastante distinta da nossa investigação policial - o juiz de instrução atua investido de poderes propriamente jurisdicionais e pode determinar medidas como a busca e apreensão, a interceptação telefônica e originalmente a própria prisão preventiva. Daí vedar-se ao Ministério Público as funções próprias da instrução, que ficam a cargo do juiz.

A Polícia no Brasil não exerce funções comparáveis às do juiz de
instrução


Mas nada naqueles países estabelece uma eventual separação entre as funções do Ministério Público e da polícia no que concerne à condução da investigação. Tanto que na França a polícia investigativa está sob controle direto do procurador da República (art. 12 do CPP francês) e este pode realizar diretamente os atos de investigação que não dependam do juiz de instrução (art. 41).


Há alguns anos venho escrevendo sobre o tema. Vocês poderão encontrar alguma coisa mais aprofundada no artigo que publiquei no Consultor Jurídico:
http://www.conjur.com.br/2005-set-01/direito_comparado_razao_ministerio_publico

quarta-feira, 22 de maio de 2013


Rorty e as Orquídeas Selvagens


Meu filho achou meu primeiro "post" no blog "profissionaludo". Acho que queria algo menos jurídico. Vou  tentar agradá-lo dessa vez, falando de um filósofo que admiro.

Richard Rorty é um filósofo americano, falecido em 2007, aos 75 anos. É conhecido como um neopragmatista, pois retomou nos EUA os estudos sobre William James, John Dewey, etc. Politicamente, trata-se de um liberal, conhecido também por seu relativismo ou ceticismo.

Richard Rorty: liberal e cético
Filho de trotskistas, Rorty escreveu um artigo chamado "Trotsky e as orquídeas selvagens". Como ele, filho de militantes comunistas, poderia conciliar o imperativo de engajamento social e político com alguns gostos que foi desenvolvendo, digamos, aristocráticos, como a criação de orquídeas selvagens?

A obra de Rorty responde com uma separação rígida entre a vida privada e a vida pública. A vida privada é o lugar dos desejos, das idiossincrasias, da autocriação. A vida pública não deve interferir nessa esfera, a não ser no que for indispensável para a convivência social. Apesar dessa postura tipicamente liberal, Rorty acredita que podemos ser solidários, para que todos possam ter chances de desenvolver suas potencialidades. 
Trotsky

Outro aspecto relevante do pensamento de Rorty é o relativismo ou ceticismo. Ele não acredita em verdades políticas ou morais, ou pelo menos acredita que a verdade está sempre ligada  a um contexto histórico e linguístico. Assim, prefere falar em "vocabulários" diversos que coexistem na vida social. Nada há que garanta um fundamento último a esses vocabulários. Para Rorty, a própria filosofia consiste apenas num conjunto de sugestões dos filósofos sobre o que somos, como devemos nos organizar, etc. E filósofo, para o nosso autor, é simplesmente alguém que leu certos livros contendo essas sugestões e que faz  notas de rodapé aos escritos de Platão.


Defender uma verdade pode ser algo pesado para o indivíduo e custoso para a sociedade. Melhor ter um vocabulário, ao lado de outros, e tentar demonstrar através do diálogo por que o seu é mais vantajoso. Enquanto isso,  não há mal algum em cultivar orquídeas. 







terça-feira, 21 de maio de 2013

Controle da Administração pelo Ministério Público

Olá,

Gostaria de divulgar no blog alguns trabalhos. Inicialmente, o livro que lancei em 2006, pela Editora Del Rey, "O controle da Administração pelo Ministério Público." Foi resultado do mestrado que fiz na França, na Universidade de Toulouse. O tema foi bem brasileiro, mas seu estudo num contexto estrangeiro permitiu enriquecer o texto com comparações da justiça e das formas de controle da administração nos dois países.

O livro não é extenso, mas tentei reconstruir com algum método, do ponto de vista histórico e jurídico, o desenvolvimento dessas funções de controle da Administração pelo Ministério Público, bem como as características da ação civil pública que permitiram uma judicialização maior das questões administrativas, tanto em extensão como em profundidade. 
Na parte sobre discricionariedade administrativa e limites desses instrumentos, rejeitei a abordagem, já então existente, de controle das "políticas públicas" pelo Judiciário. Preferi partir de um trabalho empírico sobre ações civis públicas efetivamente propostas, classificando-as a partir do seu objeto, quando, por exemplo, objetivassem impor obrigações de fazer de caráter normativo ou obrigações de realizar "atividades materiais", analisando então as dificuldades que podem aparecer. Isso me pareceu propiciar conclusões mais minudentes e menos genéricas, tanto para defender a possibilidade do uso desse tipo de ação quanto para explicitar seus limites.
Fico satisfeito de ver que esse estudo, realizado em 2002, apesar de fazer a defesa da legitimidade do Ministério Público e da possibilidade das ACP´s na maioria dos casos, foi sóbrio do ponto de vista acadêmico e já expressava preocupação com os limites da atividade jurisdicional diante da política, que continua presente nas minhas reflexões, mais voltadas hoje para a atividade do STF no controle de constitucionalidade. 
Por fim, o lançamento, realizado em Aracaju/SE, foi um momento de grande realização, prestigiado pela família, amigos e  profissionais do meio jurídico.


Com minha mãe e meu filho no dia do lançamento

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Saudações!

Caros colegas e amigos,

De repente, me deu uma vontade danada de ter um blog! Um espaço onde eu possa dividir um pouco do meu dia a dia no judiciário e também das minhas reflexões sobre o direito e outros temas. Um espaço para o  "logos", que em grego significava inicialmente "verbo", mas depois passou a ser entendido como "razão", essa capacidade que temos de usar a linguagem para refletir sobre a nossa existência e a vida em sociedade, até para chegar à conclusão de que a razão não tem resposta pra tudo. Barthes associa saber e sabor, ambos derivados do latim "sapere", como se dizia antigamente e talvez ainda no português de Portugal: essa comida sabe-me bem! É preciso que o saber tenha sabor e que resulte numa vida mais saborosa. Eu tenho prazer em tentar saber um pouco mais e quero compartilhar com vocês esse exercício.

Um abraço,