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Heráclito no quadro de Rafael: O homem não entra duas vezes no mesmo rio |
E você se
banhou. E seu corpo misturou-se ao rio. Seus milhões de partículas, diria seu colega Demócrito , confundiram-se. Vocês dançaram. Fizeram Um. Você deu cambalhota, secou-se
ao sol, contou e ouviu histórias. Houve, quem há de negar, Heráclito, momentos
de encontro e beleza.

Você mudou, outros quereres o agitaram. A impermanência estava em você. Sempre querendo ir além das margens, seguir, descobrir. Corajoso, insano Heráclito! Impôs-se uma viagem longa. E o rio também mudou. Tinha que mudar. Tinha que fluir. Você já não viu suas águas transparentes. Já não conseguiu ver o fundo de pedras brilhantes. Ele turvou-se para você. Naquela curva se deram a mão pela última vez. E partiram.
Foi você quem ensinou. Você não é mais o mesmo. O rio não é mais o mesmo. Aquele Heráclito, aquele rio, aquele encontro perderam-se no fluir eterno do mundo.
Hoje você é outro homem. Por causa de você, por causa do rio, por causa do encontro, do desencontro.
É assim que você se põe à margem de um novo rio. Você, um novo homem. Teme uma última vez. Seu rosto faz menção de voltar-se em direção às águas passadas. Mas foi você quem anunciou: panta rei.
Feche os olhos, Heráclito, mergulhe, perca-se mais uma vez.
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Jean Nestares, Panta Rei Series |