Diferentemente da PEC 37 que, a meu ver, veiculava sobretudo uma pretensão corporativa, penso que a PEC 33 levanta um debate importante, como já assinalou o competente professor de Direito Constitucional Maurício Gentil, em três artigos que escreveu sobre o tema e cujos links reproduzo aqui:
A PEC 33 inicialmente veicula a proposta de dificultar a edição das chamadas súmulas vinculantes pelo Supremo: em verdade, o STF passa a propor a sua adoção, e a proposta deve ser aprovada por maioria absoluta do Congresso. Como afirma o professor Maurício Gentil, se a súmula vinculante adveio ao mundo jurídico através de emenda constitucional, não pode ser considerada cláusula pétrea ou manifestação da cláusula pétrea da separação dos Poderes. E não preciso me estender aqui sobre como o STF utilizou-se com largueza excessiva desse instrumento, fora das hipóteses previstas na Constituição.
Um dos pontos polêmicos da PEC refere-se à declaração de inconstitucionalidade de emendas constitucionais. No nosso modelo, isso pode se dar por motivos procedimentais ou materiais, neste último caso quando a emenda constitucional afrontar alguma das cláusulas pétreas; portanto, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de emendas, à parte o aspecto procedimental, reside no conceito de cláusula pétrea.
O que quero ressaltar nesse pequeno texto é que as cláusulas pétreas, como concebidas no nosso direito constitucional, talvez não tenham paralelo no direito comparado e, evidentemente, essa opção do constituinte acarreta consequências importantes do ponto de vista da democracia. Com efeito, não existindo cláusula pétrea, a última palavra pode ser sempre do parlamento ou do povo - através do poder de revisão ou reforma da constituição; com a cláusula pétrea, a última palavra pode ser da corte constitucional, ao rejeitar uma emenda e, portanto, declarar imutável determinada norma ou interpretação.
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Em caso de divergência entre o STF e o Congresso sobre ofensa a cláusula pétrea, a PEC 33 prevê consulta popular |
Na França, por exemplo, só é cláusula pétrea a forma republicana de governo (art, 89, al. 5) e também assim dispõe a constituição italiana (art. 139). Ainda na França, a regra é que as emendas constitucionais sejam submetidas a referendo popular, podendo o referendo ser substituído pela deliberação do parlamento como "congresso", que deve adotar a proposta por 3/5 dos votos.
A PEC 33 propõe que, no caso de declaração de inconstitucionalidade de emenda, por razões materiais, ou seja, quando invocada cláusula pétrea como fundamento, a decisão deverá ser submetida ao Congresso; se ele rejeitar a declaração de inconstitucionalidade por 3/5 dos votos em sessão conjunta, a questão será submetida à consulta popular.
Embora eu não tenha uma opinião definitiva sobre esse ponto específico, vê-se que o mecanismo adotado é democrático, apesar de fragilizar o instituto da cláusula pétrea que, como vimos, não é unanimidade no constitucionalismo; nem pode ser a proposta tachada de populista ou cesarista, uma vez que, além da participação popular, prevê a manifestação das vontades do STF e do Congresso. Alguns autores, como Danilo Zolo, falam em modelos liberais e democráticos de constitucionalismo; os liberais seriam aqueles em que a guarda da constituição, sobretudo no aspecto das liberdades individuais, cabe precipuamente a uma corte constitucional, sem possibilidade de modificação do texto pelo povo, como seria o caso dos Estados Unidos (na prática) ou, arrisco, do nosso modelo hoje.
Penso que a polêmica tem uma origem ainda mais complexa. O Estado de direito moderno nasce da conjugação de duas ideias às vezes conflitantes: a defesa dos direitos individuais - com o jusnaturalismo e seu teor transcendente como base filosófica, portanto, com vocação à permanência - e a democracia como vontade do povo na formação do governo, em si mesma contingente.
Por fim, concordo com o professor Maurício na rejeição aos quóruns modificados pela PEC. A exigência de 4/5 para a declaração de inconstitucionalidade é certamente exagerada. No mais, a PEC suscita questões presentes na filosofia política e jurídica, difíceis e polêmicas por natureza, mas não absurdas como se fez crer.
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