Estive lendo um livro (A filosofia americana: conversações, de Giovanna Borradori, Unesp) sobre a filosofia americana moderna e gostaria de compartilhar algumas impressões. Já havia lido Rorty,alguma coisa de Putnam e, mais especificamente na filosofia do direito, Dworkin. O livro me permitiu uma melhor sistematização.
No início do século XX, até a Segunda Guerra, segundo a autora, a filosofia americana não produziu grande coisa. Nada realmente inovador havia substituído a contribuição dos pais do chamado pragmatismo, Charles Sanders Pierce, William James e John Dewey. Esses autores serão revisitados pelos filósofos americanos depois de 1950 e continuam tendo uma grande relevância. O pragmatismo é marcado por uma profunda discussão quanto à verdade: rejeita tanto a verdade metafísica como o ceticismo; insiste na utilidade prática das noções como critério da verdade. Na pessoa de Dewey, conjuga-se com o engajamento social.
![]() |
A filosofia analítica, com sua ênfase na lógica, dominou a filosofia americana até os anos 50 |
Com o nazismo na Europa e a eclosão do conflito, os EUA começam a receber filósofos europeus, muitos dos quais de origem judia, que vão encontrar espaço nas universidades, como Carnap e Reichenbach. Eles filiam-se ao chamado Círculo de Viena (do qual era próximo também Hans Kelsen), que cultiva o neopositivismo ou a chamada filosofia analítica. Ela passa a dominar a cena da filosofia norte-americana.
Os neopositivistas têm um enfoque epistemológico: estudam as condições da verdade filosófica, como a linguagem e a lógica. Restringem bastante o espectro das questões filosóficas abordadas e repelem como metafísica e não científica boa parte do que o Ocidente vinha chamando de filosofia, sobretudo os grandes sistemas filosóficos como os de Hegel, Marx, a psicanálise e a obra de Nietzsche. Os analíticos, por seu rigor epistemológico, são neokantianos.
A partir dos anos 50, os filósofos americanos começam a questionar aspectos da filosofia analítica, mantendo-a contudo como sua base ou ponto de partida. São filósofos pós-analíticos que por vezes se reaproximam da filosofia europeia ou continental. Criticam a filosofia analítica justamente por seu aspecto reducionista. Entre esses autores, podemos citar Quine, Davidson, Putnam, Nozick, Danto, Rorty, Cavell, MacIntyre e Kuhn.
![]() |
Rorty, defensor de uma cultura pós-filosófica: depois da filosofia, a democracia |
Hilary Putnam bate-se contra a distinção cara aos neopositivistas entre juízo de fato e juízo de valor. Para estes, ciência e filosofia só poderiam ter como objeto os juízos de fato; os juízos de valor, como os morais e os políticos, estariam relegados ao reino da subjetividade e da emoção, longe da verdade. Para Putnam os próprios juízos de fato já são permeados por valores e, quanto aos valores em si, Putnam é um defensor do realismo ou objetivismo moral: para ele é possível, sim, estabelecer verdades nesse campo. Não verdades absolutas, mas asserções passíveis de "asseverabilidade ou denegabilidade garantidas."
Richard Rorty também se afasta da filosofia analítica e é ainda mais crítico quanto à possibilidade da verdade, assumindo uma postura cética. Mas não deixa de considerar que a verdade é possível, como inserida em determinado contexto linguístico e cultural. Chega a afirmar que entre filosofia e literatura não existe diferença, pois ambas veiculam visões de mundo e vocabulários particulares, entre os quais se deverá optar, sem contudo se poder estabelecer de forma neutra uma verdade entre eles. Rorty faz um resgate do pragmatismo, sobretudo de Dewey e insiste na democracia como forma mais adequada de o homem se organizar, dado o pluralismo e a secularização das sociedades modernas.
![]() |
MacIntyre: retorno a Aristóteles |
Alasdair MacIntyre, da mesma forma, mas especificamente no ramo da filosofia moral, afasta-se do universalismo pretendido pelos analíticos, defendendo uma visão historicista e cultural da moralidade. Volta-se contra a herança iluminista, seja de Kant ou de Stuart Mill, que se baseia num conceito universal de homem, permeado de racionalidade e universalidade. Para ele, a moralidade está sempre ligada a uma tradição, à história e portanto carrega algo de contingente. MacIntyre pode ser considerado um "comunitarista", em oposição a alguns postulados do liberalismo - e prega um retorno à ética das virtudes de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.
Por fim, Thomas Kuhn, na mesma linha crítica da verdade, questiona a própria "cientificidade" das ciências naturais, como usualmente concebida. A ciência se organizaria a partir de "paradigmas", em torno dos quais se estrutura todo um sistema de verdades e questionamentos - como o ptolomeico, o galileano, o newtoniano, até que novas teorias venham a quebrar tais paradigmas - as chamadas revoluções científicas.
Concluindo com uma apreciação pessoal, gosto de Rorty, como já manifestei em outro post. Defender uma verdade pode ser algo pesado para o indivíduo e custoso para a sociedade. Melhor ter um vocabulário, ao lado de outros, e tentar demonstrar através do diálogo por que o seu é mais vantajoso.Como ele disse:
"Não há nada que valide o vocabulário final de uma pessoa ou de uma cultura. Tudo o que podemos fazer é trabalhar com o vocabulário final de que dispomos, mantendo os ouvidos abertos para as sugestões de como seria possível expandi-lo ou revisá-lo."
"Não há nada que valide o vocabulário final de uma pessoa ou de uma cultura. Tudo o que podemos fazer é trabalhar com o vocabulário final de que dispomos, mantendo os ouvidos abertos para as sugestões de como seria possível expandi-lo ou revisá-lo."